sábado, 27 de setembro de 2008

Gosto de Infância

Infância tem gosto de chocolate
Chiclete, picolé, pirulito que bate-bate
De doces, balas e bolas de sorvete bem gelado
Infância tem gosto de moleque levado
Que ri do vizinho, apronta na escola
Que brinca na rua até de noitinha
Pique-esconde, bola de meia, amarelinha
Ciranda, dança de roda, circo e palhaço
Infância tem gosto de abraço
De dormir no colo da mãe, fazer um carinho
Se sentir enorme nos braços do pai
E brigar com o irmãozinho
Pra depois dizer “Ah, vamos ficar de bem, vai!!”
Infância tem gosto de conto de fadas
No mundo de faz de contas, ser o que quiser
Príncipe, princesa, rei e rainha.
Cowboy, cacique, herói, vilão e guerreiro,
Infância tem som e tem cheiro
De pipoca na panela, e brigadeiro no fogão.
Infância tem gosto de quero mais.
Mais alegria, mais vida, mais cor
Infância tem gosto de primeiro amor.
De sorriso, encantamento e paz.
Infância tem gosto de sentimento
Provar a delícia de cada momento
Infância tem gosto mesmo é de ser criança
E ainda que o tempo varra essa fase colorida
Bom mesmo é jamais deixar de sentir no rosto
O sopro da vida, o gosto da infância.

Longe do Fundo do mar: o jornalismo literário na imprensa cotidiana

Imprensa cotidiana é um mergulho de apinéia. Sabe-se que há vida no fundo do mar, mas não há tempo de mergulhar. No máximo, veste-se a máscara da imparcialidade e observa ao longe, enquanto a vida acontece. Enquanto acontecimentos latejam, pulsam, vibram, revestidos de motivações, emoções, sentimentos, pensamentos, histórias e vidas. Desde que eu soube da existência da fórmula engessada do lide e da pirâmide invertida, soube que queria fazer diferente. Queria sair da superfície e mergulhar. Mas nos meus estágios na imprensa cotidiana, e na faculdade, às vezes, não havia tempo para isso. Não dá para refletir nem para despertar reflexões, só mesmo para informar. Para servir ao público um caldo informativo ralo e sem gosto, que não precisa nutrir, apenas atravessar a goela e preencher o vazio do estômago. Ou da mente.
De volta ao barco, o mergulhador tem que ser rápido. Há outros mares a visitar. Sim, eu mesma, várias vezes só conseguia tempo para uma visita rápida para extrair um pouco da água da superfície, bem distante da vida pulsante do fundo do mar. E ficava imaginando as coisas incríveis que poderia descobrir – e escrever – se pudesse mergulhar. Mas não havia tempo, nem permissão do comandante, estivesse ele na figura do professor, editor ou dono do veículo. O comandante era, como sempre, estressado e impaciente. “Na certa não mataram ninguém hoje”, eu chegava a pensar às vezes, quando percebia um clima pesado no ar.
O comandante tem sede de sangue, alimenta-se de morte, vibra ante a tragédia alheia. Na corrida contra o tempo, quer sempre chegar primeiro, com o caldo ainda quente, mesmo que intragável. O importante é que escorra ainda fulmegante pela goela do outro, assim não há tempo para sentir o gosto amargo do que lhe é oferecido. Lembro que essa idéia ficou clara para mim quando, um dia, ao ver o Globo Notícia, fiquei impressionada com a rapidez com que a apresentadora dava a notícia. Tinha a face enrijecida e a voz um tanto mecânica. Segundos depois, eu já nem lembrava do que ela havia falado. Assim como entrou, o caldo informativo saiu, depressa e sem ser degustado, quanto mais digerido.
Para o público, pouco se sabe ou se é revelado, sobre o processo de cozimento, apuração. Basta que o Dr. Fulano de tal, autoridade no assunto “X” declare diante dos gravadores e câmeras que a repimboca da parafuseta é azul, que assim será. Basta um olhar distante e rasteiro captar um mero fragmento de imagem, que ele será tomado e entendido como todo. Várias vezes eu quis apurar mais uma matéria, engrossar o caldo informativo, acrescentar ingredientes nutritivos, mas os comandantes pareciam sempre relutantes em experimentar novos temperos. A informação logo tem que jorrar do caldeirão para o recipiente apropriado, e daí para a goela do público.
Como também não puderam estar no calor dos acontecimentos, as pessoas recebem aquela informação fragmentada e descontextualizada que jorra pelas folhas grandes do papel jornal, enquadrada na tela da TV, estampada nas revistas ou transformadas em milhões de bits e pixels no cyber mundo, em um espaço que nem sequer ocupa lugar no espaço.
Distantes, o mergulhador, o comandante, a equipe, lança um olhar satisfeito sobre o produto final. A embalagem é bonita, como tem de ser, mas o caldo está cada vez mais longe da vida que lateja e que pulsa, abaixo do espelho d’água, no fundo do mar.