terça-feira, 21 de outubro de 2008

A Herança

A vida é uma seqüência de escolhas, que fazemos a cada segundo. Podemos escolher entre acordar ou continuar dormindo. Parar ou andar. Transformar pensamentos em ações, ou deixá-los apenas na mente. Podemos escolher entre ser um espectador da própria vida, ou um ator, agente transformador da sua própria realidade.
É preciso voltar a atenção para as escolhas do dia a dia, para a intervenção consciente e ativa do indivíduo em relação o meio em que vive, sua família, sua comunidade.
Diante de uma escolha que tenha gerado resultados negativos, podemos optar por mudar ou esperar que a atitude correta venha do outro. É como observar, de braços cruzados, o planeta ruir a cada dia, a mancha cinza no céu outrora azul, as torres e prédios desafiando o curso dos ventos. Muitas vezes escolhemos não fazer nada, simplesmente porque é mais fácil e cômodo pensar que a solução não esteja em nossas mãos.
Rotulamos a preservação ambiental como uma questão global, que exige soluções múltiplas, grandiosas, que certamente não estão ao nosso alcance. Mas toda grande ação tem um ponto de partida, nasce da vontade de quem percebeu que algo precisava ser mudado, e ousou dar o primeiro passo.
A preocupação com o planeta deve ser a mesma de quem prepara a cama para o sono de seu filho. Com as nossas escolhas, estamos preparando o mundo onde viverão nossos filhos. E se eles perguntarem o que fizemos para contribuir com a preservação da mãe-terra? Não sabíamos da quantidade de poluentes que lançávamos no ar ao ligar ao carro até mesmo para ir à padaria? Não sabíamos da escassez da água, mesmo quando nos dávamos ao luxo de um banho de meia hora? Não sabíamos das conseqüências do excesso de lixo produzido, e descartado de forma a gerar ainda mais lixo?
A solução não está apenas nas pequenas atitudes, mas em uma consciência global que promova uma Justiça Ambiental. Não se trata apenas de adquirir novos hábitos que preservem o meio-ambiente, mas que nos libertem da dependência dos aparatos tecnológicos, como computador, celular, automóveis, processadores. Esses são criadouros de poluentes devolvidos ao meio ambiente. Não há dúvidas que apertar um botão e conseguir o que antes levaria tempo e esforço, facilita a vida de muita gente, proporcionando conforto e rapidez. Esses aparatos elétricos e eletrônicos, outros até virtuais, incorporaram-se de tal forma ao cotidiano do homem moderno que redefiniram alguns hábitos da sociedade.
O preparo de alimentos ganhou novo sentido com os industrializados e mesmo o cozimento no fogão parece ultrapassado diante das microondas que alteram a composição orgânica do alimento, mas vencem pela praticidade. É só apertar o botão. Amassar alho, picar cebola, para quê verter lágrimas? Uma colherinha de tempero pronto e está resolvida a questão. Mesmo que na colherinha venha também uma dose de conservante, que nem se sabe o que contém.
Na hora do almoço, a falta de tempo e de cuidados com uma alimentação saudável nos faz colocar sobre a mesa, uma grande sopa de massa e gordura, industrializados e processados. No lanche das crianças, uma generosa quantidade sal, gordura, açúcares, conservantes e colesterol, disfarçados em forma de inocentes floquinhos de milho, balinhas, chocolates, batatinhas fritas, lanchinhos e refrigerantes. Resta saber se é essa a herança ambiental e de saúde que queremos perpetuar para as gerações futuras.

domingo, 5 de outubro de 2008

Alguém para dividir os sonhos

Infância tem som e tem cheiro de fantasia. De risos. De sonhos. Mas também de angústias e medos. Um mundo desconhecido me foi apresentado e foi descortinando-se a cada segundo, estivesse eu pronta ou não. Mal me despedia do aconchego dos braços da minha mãe, do olhar doce e da segurança que eu sentia ao lado do meu pai, nem da companhia do meu irmão, o único com quem eu dividia as descobertas do dia a dia.
O mundo de carinho, conforto e proteção parecia existir em um universo parelelo, principalmente quando a cortina se abriu um pouco mais e do outro lado do palco, uma inscrição em azul: ESCOLA. Eu preferia ficar na platéia, mas não tinha escolha. Aliás, Escolha e Escola, só rimam mesmo na poesia! Na prática, elas parecem cada vez mais distantes uma da outra.
O sinal estridente indicava que era hora de entrar. Meu Deus, o que era aquilo? Que gente estranha era aquela, todas iguais, vestindo igual, gesticulando igual?
- Agora, crianças, quero que façam um desenho bem bonito!
E lá ia a tia com cara de boazinha e voz de taquara rachada desenhar na lousa algo que ela julgava apropriado para a fase da vida daquelas criançinhas iguais.
Eu nem olhava a lousa! Não era daquele jeito que eu queria desenhar. Pra quê fazer aquela meia dúzia de traços mal feitos que não me serviriam de nada? A casa que eu lembrava, aquela redoma de afeto que eu trazia em mim, não era nada parecido com aquilo! Então, não fazia.
Imagino a coitada da “tia” tentando encontrar uma maneira de me fazer pegar o maldito lápis e desenhar, exatamente como os outros. Copiar, claro. Criar era contra os seus princípios. Em meu protesto silencioso, eu deixava minha mente vagar. E como ela voava, livre, enquanto meu olhar perdido – porém brilhante – parecia estar em outro mundo, onde milhões de coisas aconteciam. Mas isso intrigava a professora. Ela devia achar que eu tinha alguma espécie de autismo ou fobia social. Que nada! Eu só não queria fazer parte daquela brincadeira sem graça de ser igual, e fazer igual a todo mundo.
O intervalo, recreio, em criancês, era a meia hora mais esperada da turma. Brincadeira de rodas, pega-pega, cantigas, devia ser legal participar de tudo aquilo. Mas eu não fazia o menor esforço para estar na roda, porque me sentia fora dela.
O tempo foi passando e eu descobri outra faceta do recreio: era a hora do lanche! Hora de sorver as guloseimas que o meu pai comprava a caminho da escola. Guloseimas, aliás, compartilhadas sem cerimônia pelos coleguinhas. Não porque eles tomavam, mas porque eu oferecia. Afinal eles pareciam gostar do que eu trazia na lancheira, por mais que eu não me esforçasse para entrar na brincadeira deles.
Mas quando as tias perceberam que o lanche acabava antes de chegar à minha boca, tomaram a sábia decisão de me isolar do grupo. Convenhamos, é uma atitude muito mais fácil do que resolver o problema. Lá estava eu, isolada na primeira tentativa de estabelecer contato. Ora sozinha, ora com alguma professora.
Até que era divertido, mais legal conversar com gente grande do que com as criançinhas que só pensavam nas dancinhas da Xuxa, e prendiam o cabelo para ficarem parecidas com a rainha! Enquanto eu comia, milhões de coisas aconteciam, no mundo secreto da minha imaginação. Eram histórias e personagens que só esperavam uma oportunidade para ganhar vida.
Essa oportunidade não demorou a surgir, por trás da cortina. Era grande, mágico... então era possível juntar todas aquelas letrinhas chatas de se desenhar e formar palavras? Sons? Sentimentos? Foi simplesmente fascinante encontrar uma forma de fazer aquelas histórias e personagens jorrarem para o papel. O caderno passou a ser meu melhor amigo, companheiro de todas as horas. Nas linhas tortas, encontrei finalmente, alguém com quem conversar. Mais do que isso: alguém para dividir os sonhos!

sábado, 27 de setembro de 2008

Gosto de Infância

Infância tem gosto de chocolate
Chiclete, picolé, pirulito que bate-bate
De doces, balas e bolas de sorvete bem gelado
Infância tem gosto de moleque levado
Que ri do vizinho, apronta na escola
Que brinca na rua até de noitinha
Pique-esconde, bola de meia, amarelinha
Ciranda, dança de roda, circo e palhaço
Infância tem gosto de abraço
De dormir no colo da mãe, fazer um carinho
Se sentir enorme nos braços do pai
E brigar com o irmãozinho
Pra depois dizer “Ah, vamos ficar de bem, vai!!”
Infância tem gosto de conto de fadas
No mundo de faz de contas, ser o que quiser
Príncipe, princesa, rei e rainha.
Cowboy, cacique, herói, vilão e guerreiro,
Infância tem som e tem cheiro
De pipoca na panela, e brigadeiro no fogão.
Infância tem gosto de quero mais.
Mais alegria, mais vida, mais cor
Infância tem gosto de primeiro amor.
De sorriso, encantamento e paz.
Infância tem gosto de sentimento
Provar a delícia de cada momento
Infância tem gosto mesmo é de ser criança
E ainda que o tempo varra essa fase colorida
Bom mesmo é jamais deixar de sentir no rosto
O sopro da vida, o gosto da infância.

Longe do Fundo do mar: o jornalismo literário na imprensa cotidiana

Imprensa cotidiana é um mergulho de apinéia. Sabe-se que há vida no fundo do mar, mas não há tempo de mergulhar. No máximo, veste-se a máscara da imparcialidade e observa ao longe, enquanto a vida acontece. Enquanto acontecimentos latejam, pulsam, vibram, revestidos de motivações, emoções, sentimentos, pensamentos, histórias e vidas. Desde que eu soube da existência da fórmula engessada do lide e da pirâmide invertida, soube que queria fazer diferente. Queria sair da superfície e mergulhar. Mas nos meus estágios na imprensa cotidiana, e na faculdade, às vezes, não havia tempo para isso. Não dá para refletir nem para despertar reflexões, só mesmo para informar. Para servir ao público um caldo informativo ralo e sem gosto, que não precisa nutrir, apenas atravessar a goela e preencher o vazio do estômago. Ou da mente.
De volta ao barco, o mergulhador tem que ser rápido. Há outros mares a visitar. Sim, eu mesma, várias vezes só conseguia tempo para uma visita rápida para extrair um pouco da água da superfície, bem distante da vida pulsante do fundo do mar. E ficava imaginando as coisas incríveis que poderia descobrir – e escrever – se pudesse mergulhar. Mas não havia tempo, nem permissão do comandante, estivesse ele na figura do professor, editor ou dono do veículo. O comandante era, como sempre, estressado e impaciente. “Na certa não mataram ninguém hoje”, eu chegava a pensar às vezes, quando percebia um clima pesado no ar.
O comandante tem sede de sangue, alimenta-se de morte, vibra ante a tragédia alheia. Na corrida contra o tempo, quer sempre chegar primeiro, com o caldo ainda quente, mesmo que intragável. O importante é que escorra ainda fulmegante pela goela do outro, assim não há tempo para sentir o gosto amargo do que lhe é oferecido. Lembro que essa idéia ficou clara para mim quando, um dia, ao ver o Globo Notícia, fiquei impressionada com a rapidez com que a apresentadora dava a notícia. Tinha a face enrijecida e a voz um tanto mecânica. Segundos depois, eu já nem lembrava do que ela havia falado. Assim como entrou, o caldo informativo saiu, depressa e sem ser degustado, quanto mais digerido.
Para o público, pouco se sabe ou se é revelado, sobre o processo de cozimento, apuração. Basta que o Dr. Fulano de tal, autoridade no assunto “X” declare diante dos gravadores e câmeras que a repimboca da parafuseta é azul, que assim será. Basta um olhar distante e rasteiro captar um mero fragmento de imagem, que ele será tomado e entendido como todo. Várias vezes eu quis apurar mais uma matéria, engrossar o caldo informativo, acrescentar ingredientes nutritivos, mas os comandantes pareciam sempre relutantes em experimentar novos temperos. A informação logo tem que jorrar do caldeirão para o recipiente apropriado, e daí para a goela do público.
Como também não puderam estar no calor dos acontecimentos, as pessoas recebem aquela informação fragmentada e descontextualizada que jorra pelas folhas grandes do papel jornal, enquadrada na tela da TV, estampada nas revistas ou transformadas em milhões de bits e pixels no cyber mundo, em um espaço que nem sequer ocupa lugar no espaço.
Distantes, o mergulhador, o comandante, a equipe, lança um olhar satisfeito sobre o produto final. A embalagem é bonita, como tem de ser, mas o caldo está cada vez mais longe da vida que lateja e que pulsa, abaixo do espelho d’água, no fundo do mar.

domingo, 17 de agosto de 2008

Agenda Literária

Saudações literárias!!


Atenção senhores leitores, aqui é Viviane Pascoal, comandante da nave VIDAS EM RETALHOS, juntamente com o piloto Arnaldo Mota, dando as boas vindas àqueles que desejam tecer os fios da invisibilidade social. Informamos que nossa nave está equipada com duas Saídas de Emergência caso queiram fugir da superficialidade da informação midiática: JORNALISMO E LITERATURA.
Nossa viagem começa na infância de Vera Silva, brasileira, nordestina, potiguar, mulher, mãe. O tempo de vôo do até MATERNIDADE é de aproximadamente 19 anos, quando daremos início ao embarque dos passageiros: CAIO, GABRIELA, LUCAS, RAFAEL, JÚLIA E MARIANA, provenientes da cidade de FILHOS, Estado de PAIS DIFERENTES. O vôo de FILHOS, da ESCOLA até RUA é direto e sem escalas, com previsões de turbulências pelo caminho, porém a nave entra em cruzeiro com a entrada do passageiro ESTRANGEIRO, responsável pelo abastecimento da ESPERANÇA de UM FUTURO MAIS DIGNO.
Nosso serviço de bordo conta com uma grande variedade de VALORES HUMANOS, recheados com muito LIRISMO E REALISMO. Nossos pratos são preparados por CHEFs JORNALISTAS, orientados por AUTORIDADES EM SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA, DIREITO E JORNALISMO. Para beber, doses equilibradas de HUMOR, POESIA e REALIDADE, nas versões INTEGRAL E LIGHT.
Lembrando que nosso vôo é proveniente da UNIVERSIDADE POTIGUAR, e tem como destino, MENTES E CORAÇÕES. Desejamos a todos uma boa viagem.

ESCALAS:

21 de Agosto: Sessão de Autógrafos na 20a Bienal Internacional do Livro
Às 19 horas, no Parque Anhembi, Stand All Print Editora, rua I-7

22 de Agosto: Coquetel de lançamento do livro em São Paulo
Às 19 horas no Colégio Pascoal Dantas - Av. Pires do Rio,2801 - São Miguel

19 de Setembro: Coquetel de lançamento do livro em Natal
Às 18 horas Paladar Tropical - Av. Jaguarari, 2570 - Candelária

15 de Outubro: Tarde de autógrafos em São Paulo
Às 17 horas no Casarão de Belvedere - Rua Pedroso, 267, Bela Vista - Prox. metrô São Joaquim

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Entre tantos outros

“... Parecia ser mais um daqueles momentos que passa ligeiro sem a gente perceber. Parecia ser mais um rosto comum, que entre tantos outros, a gente não vê. Foi quase assim que ele me surgiu. Não fosse pelo seu olhar oblíquo, não fosse pelo seu sorriso amigo.

Trazia ao lado uma criança, uma menina risonha, simpática. Parecia apenas mais um rostinho perdido; uma feição comum, que entre tantas outras, a gente não vê. Não fosse pelo toque suave de sua expressão. Não fosse pela inocência, que fluía de seu coração. Ela me sorriu e ele sentou-se ao meu lado. Assim, começamos a conversar. Parecia um papo superficial, comum, trivial, como tantos outros que procuramos ter. Mas algo em seu olhar e sua voz modificou-se de forma tal que me fez perceber seu brilho interior. Em suas palavras revelavam-se um misto de sabedoria e simplicidade. Era um ser iluminado, eu sentia. Havia certeza e doçura em sua voz, um sorriso terno em seu rosto, humildade em seu olhar, e um canto de verdade em seu silêncio.

Falamos da doce ilusão do tempo, do passado inexistente, do futuro incerto que quando chegar, será presente. Falamos do homem afoga o coração em pensamentos, passa a vida inteira buscando razões, e é estranho aos próprios sentimentos. Mas a nossa vida passa, entre tantas outras e a gente não vê.
Foi de repente que ele se levantou, tomou minha mão entre as suas e disse que admirava minha atitude. Pareciam ser palavras soltas ao ar ,um mero comentário, como tantos outros. Mas foi o mais belo e sincero elogio dentre tantos outros que já recebi. Pareciam ser mãos comuns, como tantas outras, mas aquelas mãos me tocavam, e eu não as sentia. Como se ali não houvesse matéria, apenas energia. E não obstante, depois que ele saiu, percebi que as pessoas me olhavam assustadas. Também pudera: aquele homem com quem eu conversava, apenas aos meus olhos se apresentava.

Foi de repente, rápido, misterioso, um momento milagroso. Não foi mais que um instante, e eu percebi, que aquele homem comum, que entre tantos outros, eu conheci, em apenas um segundo, conseguiu mudar o mundo em mim.”
... Pára, olha o tempo! Lá se vão tantos momentos, tantos homens comuns, tantas crianças, tantos sorrisos, tanta coisa para aprender! E nós, como tantos outros, pedimos uma palavra do mestre, e esperamos percebe-la na voz rouca de um velhinho de barba branca, sentado numa cadeira bamba ou no banco de uma praça, vestindo um véu de luz e um gorro troncho que lhe cobre o rosto. E que de preferência, diga: Meu filho, sou seu mestre. Vim aqui para lhe dizer o que fazer! Parece ser a imagem perfeita para um bom guia. Não fosse o poder de edificar uma vida feliz que como um presente divino, nos foi destinado. Um presente, um instrumento da vida, que a todo momento, nos aparece. Na forma de um sorriso ou de um homem comum. Tão comum que a gente até se esquece que talvez ele seja o mestre, trazendo a mensagem que precisamos ouvir. Mas quem nos fará despertar da ilusão que nossos olhos querem ver? Talvez em um simples gesto de um homem simplesmente gente: um sorriso que não se vê, entre tantos rostos...

domingo, 3 de agosto de 2008

Apenas um olhar

Oi, gente, ai vai a primeira história de uma jornalista com coração de poeta! Comentem!

Apenas um olhar


Era uma típica noite de terça-feira paulistana. O frio abraçando os gatos da noite que exploravam aquele bairro da Santa Cecília. Nome interessante para um lugar onde o sagrado e o profano parecem conviver bem: as beatas da igreja, as prostitutas nas esquinas, os estudantes de jaleco branco saindo do Mackenzie ou da Santa Casa, outros mais descolados a caminho do metrô. Nessa pluralidade de gente e de cor, um grupo de jornalistas apaixonados por literatura foi desafiado a praticar o exercício do olhar. Isso significava varrer a redondeza com olhos atentos para mais tarde, de volta à sala de aula, descrever o que encontrássemos de mais interessante.
Foi assim, que na companhia de dois colegas, percorri com os pés e com os olhos, a calçada da Rua General Jardim. Queria chegar a alguma esquina onde pudesse encontrar um típico quarentão solitário. Desses que param diante do balcão sujo de um bar, com os cabelos em desalinho, e pedem uma cerveja. Esperava encontrar um sujeito descontente com a vida, que fizesse da loira gelada, sua companheira, testemunha de um monólogo interior nem sempre inteligível.
Pus os pés na rua com o olhar domesticado, em busca de uma figura humana pré-determinada, talvez até pré-julgada. Realmente não foi difícil encontrar tal figura. Estava ali, sentado no bar, exatamente como eu imaginava. Mas meu olhar parou antes mesmo de chegar à esquina. Estava diante da Escola de Sociologia e Política, número 522 da General jardim.
Não foi a edificação arquitetonicamente interessante que me chamou a atenção, mas o homem parado ali, na frente dela. Era forte, negro, do tipo que convive bem com uns quilinhos a mais. Tinha o rosto arredondado, os olhos amarelados, porem vivos. A barriga saltando para fora da calça, a camisa um pouco aberta, a carteira de cigarros caindo do bolso. Uma latinha de cerveja aos seus pés. Sentado em um caixote de madeira, olhava as pessoas na rua. Ou o mundo?
Atrás de si, a grade de ferro que se estendia ao redor da faculdade. Era como se o portão separasse dois mundos: o daqueles que pensam a vida e o dos que a vivem. Por um momento, varri com os olhos o lado de dentro do portão. Havia grupinhos de jovens falantes, filosofantes, talvez. Discutiam sociologia, mas será que já ousaram, alguma vez, romper a barreira silenciosa dos portões da faculdade e alcançar o mundo do lado de fora? Teriam se interessado em saber o que pensa e sente um homem que na sociedade, agoniza no silêncio e na invisibilidade?
Alheio às profusões filosóficas dos jovens atrás de si, o homem no caixote de madeira sabia ser invisível, e parecia se divertir com isso. Olhou para dentro da escola e sorriu como se dissesse “O que vocês acham que sabem da vida?” E no momento em que se voltou novamente para a rua, seus olhos se cruzaram com os de uma jornalista que por ali passava, procurando uma cena interessante para transformar em palavras. É claro que ele não sabia disso. Não sabia quem eu era. E nem importava saber.
Quando meu olhar, não mais domesticado, ousou enxergá-lo, seus lábios se abriram em um sorriso, que no silêncio, disse: “bem vinda ao meu mundo”. E retribuindo o gesto, agradeci mentalmente por ele ter me permitido romper as barreiras da invisibilidade. E nem precisamos trocar palavras para que eu cruzasse os portões da cegueira social e entrasse em seu mundo. Bastou apenas um olhar. Não fosse por isso, eu certamente estaria descrevendo o quarentão solitário em companhia de uma loira gelada, no balcão sujo de um bar.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

LIVRO-REPORTAGEM REVELA AS VIDAS INVISÍVEIS DE NATAL/RN

Oi, gente! Já tava demorando para falar de uma das maiores realizações da minha vida! Pois é, agora só falta plantar uma árvore e fazer um filho. O livro já está pronto! Aí vai um pouquinho sobre Vidas em Retalhos:


O livro-reportagem Vidas em Retalhos: tecendo os fios da invisibilidade social, dos jornalistas Arnaldo Mota e da blogueira que vos fala, Viviane Pascoal Dantas, conta a trajetória real de uma família nordestina em sua luta diária pela sobrevivência. A obra, inicialmente, foi realizada como trabalho de conclusão do curso de jornalismo da Universidade Potiguar. Tem como pano de fundo a cidade do Natal/RN, revelando que mesmo em um dos mais belos pólos turísticos do Brasil existe uma realidade que não se deseja mostrar, mas que se faz presente, perambulando pelas ruas da cidade. São vidas que se tornam invisíveis pela sua não-cidadania, pelo seu histórico de humilhação e exclusão social.

Tragédia e Comédia convivem bem

Ao narrar a vida dos cinco integrantes da Família Silva, foco da reportagem, levantamos discussões acerca da função social do jornalismo, e dialogamos com psicólogos, sociólogos e jornalistas sobre a violência física e psicológica que sofrem essas pessoas, a situação de abandono, o descaso, a fome, o preconceito.
Fomos testemunhas de várias passagens da vida da família. Primeiro conhecemos os filhos mais velhos, Gabriela e Lucas. Eles tinham a fome estampada no rosto e muitas histórias para contar. Descobrimos neles, histórias que não podiam continuar agonizando no silêncio. Então conhecemos a mãe das crianças, Vera, que acabou mudando o rumo da reportagem.
Quando Vera nos convidou até a sua casa, e nos permitiu entrar em seu mundo, contando a sua história, entramos em contato com uma realidade completamente diferente. Foi como um alargamento substancial da nossa visão de mundo. Ouso dizer que nos formamos ali, naquele momento, como jornalistas.
Apesar de tratar de episódios difíceis, com uma grande carga emocional, a tônica da narrativa não é dramática e sensacionalista. Ao contrário, traz uma linguagem realista, questionadora e ao mesmo tempo sensível, com doses equilibradas de lirismo e realismo, poesia e humor, literatura e jornalismo. Há um profundo respeito para com as vidas humanas envolvidas.

Vidas em Retalhos na Bienal

Publicado recentemente pela Allprint Editora, o livro já está à venda no site (www.allprinteditora.com.br), e na loja online da Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br), Estarei autografando o livro na Bienal Internacional do Livro, dia 15 de agosto às 19 horas no stand da editora.
O livro ainda não foi lançado oficialmente. A intenção é fazer algo realmente significativo, criativo, ousado, envolvendo não apenas a noite de autógrafos, mas um evento artístico em um espaço cultural , onde os convidados poderão prestigiar apresentações culturais, músicas que remetem ao tema, e outras atividades que certamente surpreenderão o público.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cinco minutos

Oi, gente! Hora de começar a discutir jornalismo. Afinal, que loucura é essa que a gente gosta tanto? Veja aí, quem nunca passou por isso? rss

Cinco minutos!
Vamos, gente, não temos tempo!
Bota os créditos.
Essa foto tem que ficar maior.
Temos que fechar!
Não vai dar pra entrar isso não.
Isso sai!
Isso fica!
Corta pelo pé!
Ih, sobrou espaço! E agora?
Ah, pega um artigo, lá na pasta “tapa buraco”
Ok, fechou!

Chega! Pára tudo! Não! Isso não é uma sala de emergência de um hospício, apesar de parecerem todos loucos e cada segundo parecer essencial. É a redação de um jornal diário. Seus doutores operam equipamentos, tratam as notícias e as transformam em produto. Palavras. Palavras se derramam sobre a tela e a olhos e mãos atentas tentam colocá-la no melhor lugar. Estrategicamente pensado. Previamente calculado. Cuidado! Lá se vai uma opinião! É um grito de alerta: e logo os doutores tratam de escondê-las, camufla-las, por trás de uma palavra ou de outra, afinal ela não pode aparecer! Então o alvoroço: é a linha de morte que se aproxima.
É gente processando, máquinas gritando, ih... troquei! Também não dá tempo de corrigir. Tempo: esse parece se divertir olhando as rugas estampadas nas pessoas, e as máquinas esquentando, já cansadas. Fechou. Encerrou.
E palavras estáticas chovem agora sobre o papel. Impregnadas de trabalho e significados. De interesse e poderes. Parece loucura que alguém em sã consciência escolha um ambiente assim para passar a maior parte dos seus dias. Mas confesso: sou louca sim, afinal sou jornalista.
Sou louca e espero que todos sejam. Sedentos por tornar público acontecimentos sociais, por formar e informar, brincar com as palavras e com as sensações. Conquistar mentes e corações, escrever e registrar a história, dia após dia. Contadores de histórias reais. É isso o que somos. É preciso um pouco de loucura para ousar fazer diferente. Para ousar ser a diferença. É preciso abraçar o jornalismo com a ousadia de um louco e a capacidade de um gênio. Agora pare.... Olhe. Pense. Tente. Escreva....

terça-feira, 29 de julho de 2008

Beijo.com

Só para aquecer, gostaria de postar uma poesia sobre amor virtual. Não estou inspirada para devagações jornalísticas agora, tá?

Beijo.com

Um click, um sala, um nick,
Foi assim que o conheci
Naquele chat, a teclar
Não demorou e estávamos no particular
Trocamos emotions, fizemos downloads
A noite inteira, sem parar
Ah, foram tantos emails, scraps
Tantas mensagens trocadas...
Ooops! Trocadas meeeeeesmo, erro fatal!
Nosso amor acabou como uma sessão expirada.
Não! Eu sei que não está offline!
Vamos teclar, amor, não desconecte agora...
Não deixe romper o link entre nós ...
Amor? Kd vc? Em vão te procuro, e...
Caiu! Expirou! ... é o fim!
Mas suas palavras permanecem
Copediscadas em mim,
Por mais que eu tente deletar.
Tudo o que eu quero é resetar
Agora só me resta esperar que um dia
A gente se encontre para um bate-chat
Agora só me resta voltar para a home
Te deixar um scrap, enviar um beijo.com.

Bloguei!

Finalmente esta jornalista resolveu se render aos apelos da tecnologia e criar um blog. Espero criar um espaço aberto para discutir jornalismo, literatura, sociedade, cultura. Algumas reflexões, histórias, artigos, grandes reportagens, dessas que a gente não encontra todos os dias em jornais. Aceito críticas, sugestões, comentários, enfim! Participem!